Abolindo a escravatura: Freedom, the Underground Railroad – combo jogo & filme
por Patanga Cordeiro
- comecei no hobby em 2018 (apesar de sempre gostar, não tinha com quem jogar)
- voluntário de cursos de meditação em SP
Neste canal estaremos abordando jogos e temas que experimentamos e que sentimos que fizeram de nós pessoas melhores. Deixamos também um “saiba mais”, com filmes, documentos, etc, sobre o tema do jogo.
No jogo cooperativo freedom-the-underground-railroad , os personagens são heróis incógnitos do movimento de apoio à abolição da escravatura nos EUA do século XIX. Confesso que sinto muito orgulho em jogar esse jogo. Parece que estou fazendo parte de algo muito importante e significativo. A imersão é incrível. Quando decisões difíceis aparecem no jogo, colocando em perigo a vida dos escravos, fico parado, pensando – “não, não pode ser assim – tenho que dar um jeito de salvá-los; tem que existir uma forma!” Você sente o peso da tarefa que se propôs a realizar.
Sugiro: leia as regras, assista o filme e logo em seguida jogue o jogo! Sucesso total!
Contexto histórico
Historicamente, figuras importantes tentaram abolir a escravatura já antes da declaração de independência dos EUA em 1776. Thomas Jefferson, por exemplo, tentou enquanto era deputado estadual, enquanto escreveu a declaração de independência de 1776, enquanto era governador do estado e enquanto era presidente. Mas a medida não foi aprovada pela maioria necessária. Basicamente, a metade do sul dos EUA tinha uma maioria a favor da escravatura, e a metade do norte tinha uma maioria contra. Depois de um século de tentativas, o golpe final à escravatura foi dado no mandato de Abraham Lincoln, um dos maiores admiradores de Jefferson, em meio a uma sangrenta guerra civil no país. Sugiro assistirem o filme Lincoln. (Eu assisti já umas 5 vezes, e assistiria hoje de novo se tivesse tempo). Abaixo, a Lei Áurea e a 13a Emenda Constitucional, respectivamente.
O que fazemos no jogo
São três os objetivos, e cada um tem uma forma de mitigação:
- guiar os escravos que fugiram das fazendas no sul a chegar no Canadá (onde já não havia mais escravatura) sem serem capturados por caçadores de escravos. Você faz isso auxiliando os escravos a passar de cidade em cidade, como se fossem os cubos do pandemia. Há um limite em cada cidade, para não chamar a atenção excessiva dos caçadores. Precisamos salvar um certo número e fazer com que não sejam mortos outro número, variáveis com o número de jogadores,
- apoiar o movimento abolicionista, com recursos financeiros, jornais favoráveis, leis intermediárias, que culminarão na abolição legal e permamente dessa terrível instituição e
- ajudar os escravos ainda nas fazendas a não morrerem. Todas as rodadas chega um novo lote de escravos dos mercados locais e da África, que são inseridos nas fazendas. Se as fazendas estiverem cheias, o excedente morre por falta de cuidados.
Tudo isso num tempo delimitado de oito rodadas, que abrangem 65 anos de história, terminando com a emenda constitucional número 13 durante o mandato do presidente Lincoln, em 1865. (E que veio a repercutir no Brasil em 1871, com a lei do ventre livre, e finalmente 1888, com a lei áurea.)
Cada jogador escolhe um personagem (quase todos brancos), como Acionista, Agente Ferroviário, Inspetor de Estação Ferroviária, Pregador Religioso, etc, cada um com duas habilidades especiais. O interessante é que esses heróis não se conhecem, para manter o sigilo da Ferrovia Subterrânea (Underground Railroad), que na verdade quer dizer os caminhos e lugares seguros pelos quais os escravos passavam para chegar no Canadá. Um desses lugares seguros, chamado Liberty Hill (e presente numa das cartas do jogo), era uma casa no topo de uma colina. Quando era seguro para os escravos cruzarem o rio próximo, a casa deixava a luz da varanda acesa à noite, como um farol. Quando os caçadores estivessem próximos, a luz ficava apagada, que indicava aos fugitivos que era perigoso atravessar o rio. Mas os responsáveis pela casa não sabiam mais do que o próximo ponto seguro. Era uma operação sigilosa a ponto de os próprios operadores não conhecerem exatamente a extensão e formato do que estavam realizando. Era um voto de fé. Assim, poucos rumores circulavam e os caçadores de escravos não teriam como saber exatamente onde procurar escravos fugitivos. Cada escravo que passava por uma cidade inspirava na população o sentimento abolicionista, e essa população gradualmente foi aderindo em maior e maior grau à ideia, auxiliando financeiramente, criando jornais com fim específico, etc, até que se tornou lei.
Andamento do turno
Primeiro, os caçadores de escravos tentam procurar os fugitivos. Depois, os jogadores planejam em conjunto o que farão. Em seguida, cada jogador realiza todas as suas ações, que não podem ser auxiliadas pelos outros jogadores, pois eles precisam ser independentes para manter o sigilo da instituição. As ações são movimentar escravos, recolher apoio financeiro e apoio de voluntários e leis e acontecimentos históricos para impulsionar a causa (que são representados nas cartas de evento que valem para a rodada). Cada carta de evento possui uma nova lei, um boicote, um herói local… até Abraham Lincoln! Mas também há as cartas de evento escravistas, que são o lobby que dificulta a movimentação dos escravos, a coleta de fundos, o estímulo à importação de novos escravos, etc, e dificultam a nossa vida como servidores desse enorme projeto. Ao final, os escravos que estavam no mercado ou vieram da África são forçados nas fazendas. Os que não couberem, morrem por falta de cuidados.
Término
Após 8 rodadas, chega 1865 e o fim do jogo. Para ganhar o jogo, é preciso salvar um número X de escravos, garantir que menos de Y morra e, por fim, adquirir o apoio financeiro, político e moral para aprovar a abolição da escravatura até 1865.
Um jogaço. Joguei com os amigos, sozinho, e poderia parar tudo agora mesmo e jogar de novo!
E… saio da mesa uma pessoa melhor do que quando sentei nela!