por Patanga Cordeiro
- comecei no hobby em 2018 (apesar de sempre gostar, não tinha com quem jogar)
- voluntário de cursos de meditação de SP
Um dos melhores jogos que jogamos nos últimos tempos foi o black-orchestra . O jogo é um cooperativo bem ameritrash onde cada jogador (1-5 ou mais) é um dos membros da “Resistência” ao regime de Adolf Hitler, também conhecida como “Schwartzkapelle” ou Orquestra Negra. (Como quem está orquestrando um plano negro.)
Nem sei por onde começar a elogiar o jogo, então vou elogiar tudo em qualquer ordem mesmo.
Contexto
Só para dar uma contextualizada, vou recontar nas minhas palavras uma dentre as 26 tentativas conhecidas de assassinato do fuhrer alemão. Se quiser pode pular esta longa seção histórica para saber mais sobre o jogo em si no próximo subtítulo. Posso também indicar esse documentário de 1h30min do History Channel (em inglês)
(acima, o herói e um dos personagens no jogo, o Coronel Claus von Staffenberg (com casaco mais claro, à esquerda), encontra Hitler antes do atentado de 20 de julho. O mesmo, antes de sofrer ferimentos de guerra no front. As calças de Hitler depois da explosão. A praça onde foram executados os principais suspeitos do atentado. A sala de reunião sendo inspecionada por Goering, da Luftwaffe, depois da explosão)
A mais famosa tentativa de assassinato é a chamada Operação Valquíria, que inclui o atentado do dia 20 de julho. Em suma, ela tinha duas partes. Na primeira, o alto escalão do departamento de pessoal militar da Alemanha tinha generais que entenderam que o plano do Hitler era mau para a humanidade e que ele precisava ser parado - a qualquer custo. Um deles, Henning von Tresckow, (um dos personagens que você pode jogar no jogo) fez alterações no plano de emergência que manteria a condução do país caso Hitler fosse morto, incluindo vários membros da resistência como membros, presidentes, ministros, etc. Com essas alterações, ao invés do poder ficar com os mesmos (Himmler, Goebbels, etc), ele ficaria temporariamente com a resistência, que poderia enganar o exército reserva e desmantelar a máquina de guerra alemã de então – efetivamente um golpe de estado. Na segunda parte do plano, Hitler (e se possível Himmler também) deveriam morrer – algo que mesmo Mestres espirituais como Sri Aurobindo sentiam como necessário. Uma tentativa foi com armas de fogo, mas como apenas Hitler estava presente e o plano de contingência não estava completo, decidiram abortar e esperar uma hora mais propícia. Essa hora aconteceu numa das reuniões do fuhrer com seus subordinados na Toca do Lobo. Um deles, o coronel Claus von Staffenberg, levou duas bombas em uma maleta. Ele havia sofrido ferimentos no front, e só tinha três dedos em uma das mãos (e a outra completamente perdida) e um dos olhos para armar a bomba relógio já dentro do prédio. Devido ao início da reunião e a dificuldade em armar a bomba apenas com três dedos, apenas um dos explosivos foi armado, não havendo tempo para armar o segundo. Staffenberg sentou-se numa boa posição na mesa, não longe do fuhrer, e colocou a mala próxima. Depois de um certo tempo, ausentou-se da sala para fazer uma ligação aos seus subordinados, que aguardariam ordens. Mas ele foi embora de carro e tomou um avião para se encontrar com seus colegas da resistência. Enquanto isso, na sala de reuniões, um dos militares queria ver o mapa na mesa melhor e, a maleta estando atrapalhando o seu caminho, moveu-a, coincidentemente, de forma que ficasse atrás de uma grossa perna de madeira da mesa. O explosivo detonou, mas a área atrás do pé da mesa se tornou uma espécie de “sombra” da explosão. E quem estava lá? Hitler. Ele sobreviveu com ferimentos. Da Wikipedia:
"Uma série de coincidências fizerem com que Hitler sobrevivesse à explosão:
Por ter adiantado o horário da reunião em meia hora, impedindo que Stauffenberg armasse as duas bombas;
O local da reunião, que foi feito em uma cabana em vez de um bunker como era feito por dois anos e até seis meses antes. Na cabana com as janelas abertas, a energia liberada pôde escapar para o espaço aberto. Se fosse no bunker de concreto fechado como sempre, a bomba incineraria todos na sala;
O posicionamento da bomba, quando Heinz Brandt põe a pasta no outro pé da mesa de carvalho, um pesado pedaço de madeira maciça poderia ter saltado com a explosão esbarrando em Hitler, algo que mais em vez ajudou a salvar sua vida, atenuando a explosão;
Poucos segundos antes da explosão, um detalhe no mapa em cima da mesa chama a atenção de Hitler, ele se inclina sobre a mesa para analisá-lo, sendo protegido pelo corpo de Heusinger;
Porém todos esses fatores, de nada adiantariam, se Stauffenberg não tivesse cometido um erro cabal, quando em pânico, deixou de colocar a bomba desarmada na pasta junto com a armada, uma vez que quando a primeira explodisse, a segunda também explodiria, na chamada “explosão empática”, matando todos no local."
Chegando de avião em Berlin, pensando-se bem sucedido, o Coronel Stauffenberg envia um telegrama geral avisando sobre a morte do fuhrer e que o exército (Wehrmacht) estaria tomando conta do governo. O telegrama chegou até Hitler. Ele (e outros) foram executados (gritando “Vida Longa para a sagrada Alemanha!”)no mesmo dia, e sua família mandada a campos de extermínio. Tristemente, o oficial que teve de mandar cumprir a ordem foi o General Fromm, parte da “Orquestra Negra” a que pertencia Stauffenberg. Ele foi fuzilado também dois dias depois. No total, 5000 pessoas foram presas e 200 executadas como represália ao atentado. Himmler ordenou que o corpo enterrado de Stauffenberg fosse exumado, cremado e suas cinzas espalhadas –fora-de Berlim.
Tema
O tema é um pouco pesado, mas incrível e sem mostrar detalhes explícitos como sangue ou mortos. As cartas de eventos possuem fotos reais de época, mostrando desde as paradas e comícios em Berlin aos judeus obrigados a usarem marcas visíveis nas roupas para mostrar sua condição e serem segregados. Cada acontecimento desses gera uma influência nos diversos setores do jogo – os jogadores podem ser considerados suspeitos se um assassino independente for preso na mesma cidade onde estiverem; um dos dirigentes do Hitler pode aparecer para visitar seu escritório; a Gestapo, que está sempre tentando prender os personagens-heróis, pode aparecer a qualquer hora e prender os que estiverem com armas, documentos ilegais, ou em geral muito suspeitos. Assim, quanto mais tempo e equipamentos os personagens prepararem para dar o golpe, mais fácil será perder o jogo ao mesmo tempo. É como uma final em pênaltis de uma copa do mundo de futebol. A vitória e a derrota estão a centímetros de distância uma da outra, aproximando-se gradualmente com cada gol convertido para um time ou para o outro. Mas o resultado final fica em suspense até a última hora, o último chute, o último dado rolado.
Mecânicas
O jogo funciona assim: você precisa inspirar o seu personagem a ter coragem para conspirar contra a máquina nazista. Isso é feito rolando os dados no início do turno, que é uma ação de conspiração. O resultado será ficar mais motivado, diminuir o apoio de Hitler ou apenas ficar mais suspeito de ser um conspirador (cuidado com a Gestapo!). Durante o resto do turno, ele precisa encontrar recursos, armas, explosivos, veneno, fazer planos de como executar os atentados, viajar para trocar informações, etc, através da compra de cartas e coleta de itens no tabuleiro, que representa a Europa, desde Paris até Estocolmo. Você pode visitar os campos de concentração em Auschwitz e Treblinka para ver os horrores e se inspirar mais ainda a continuar com a conspiração contra o regime. Ou pode se fazer de bom general, indo visitar o front e participando os comícios do partido nazista, para que a sua presença lá diminua o grau de suspeita que possam ter de você (e lhe dando mais chances de realizar atentados). Outra coisa que talvez precise fazer é ir até a prisão da Gestapo para tentar libertar seus colegas conspiradores - com o detalhe que você pode acabar preso nessa tentativa. Se você não liberar seus colegas, eles são torturados e poderão vazar informações sobre os outros conspiradores. A mecânia é muito legal. Toda rodada na prisão você pega uma carta de interrogatório. Cada carta dá umas opções do seguinte tipo: 1) Vc se dá mal (perdendo itens, planos, etc). 2) Vc e seus colegas se dão mal. 3) Seu colega se dá muito mal, mas pelo menos você é solto. 4) Você rola o dado e, se der sorte, é solto. Se der azar, vocês se dão muito mal e você continua preso. Em todos os casos exceto o de ser solto, na rodada seguinte você repete o processo.
Uma conspiração divina
As cartas de evento dão um andamento incrível para o jogo, mudando as variáveis. Você está quase pronto para fazer um atentado, mas de repente Hitler invade a Polônia! O apoio militar dele aumenta, além de ele ir para um esconderijo fortificado, o que faz com que seja mais difícil chegar perto dele, e você percebe que agora esse plano não funcionará… você terá de esperar por uma hora melhor. Parece uma conspiração de alguma força do mal contra os personagens. Mas… o inverso também acontece. Outro conspirador tem uma carta para diminuir o apoio militar. Aí você consegue pegar aquele avião para Berlim, para quem sabe no turno seguinte ir para Munique, onde Hitler está… mas ele acaba indo para lá também, como se fosse uma conspiração divina para que tudo desse certo! Bam!
A hora da verdade
Enfim, solto da prisão, o momento chave do jogo é quando você está com o plano de atentado, com os equipamentos necessários, motivado o suficiente, não é considerado muito suspeito pela polícia secreta, na companhia dos demais conspiradores, na mesma cidade que Hitler. Que tal juntar isso tudo? É esse o jogo. Então jogamos os dados. De acordo com os resultados, você pode ir preso antes de realizar o atentado, o atentado pode simplesmente falhar ou… Hitler morreu!!!
Nossas experiências
A primeira vez que jogamos, em duas pessoas, nós perdemos (fomos todos presos e executados). Mas a segunda vez que jogamos foi logo em seguida, de tanto que gostamos do jogo! O melhor plano que conseguimos nesta partida foi um de sniper solitário. Vou descrever a última rodada. Tínhamos, desde o começo do jogo, garimpado e guardado a duras custas cartas que somavam dados à tentativa de assassinato, que deixavam re-rolar dados desfavoráveis… e as outras também, que faziam com que Hitler não saísse de onde estava na rodada (e fosse para um lugar fortificado, onde o nosso atentado não funcionaria), que davam detalhes sobre o local e horário e circunstâncias da visita dele, uso de um avião que nos permitisse chegar no local ainda durante o nosso turno, etc… é como se tivéssemos trabalhado um ano para um único evento. Usamos todas essas cartas, para conseguir a oportunidade naquela rodada fatídica depois de uma hora de preparação. Foi quando outro colega chegou na hora de rolar os dados para o ato fatídico… pedimos que ele rolasse para nós.
Nosso colega rolou os dados e, depois de usarmos uma carta para somar dois dados, estávamos com o seguinte resultado preliminar: a tentativa fracassaria por falta de um sucesso num dado, e seríamos presos, perdendo o jogo, por um fracasso num dado. No entanto, restava-nos ainda uma carta que permitia rerolar um dado. Pegamos esse dado de fracasso, que nos mandaria para a prisão, e pedimos que ele rerolasse, como, literalmente, a nossa última cartada… SUCESSO!!!
“Hitler está morto!!!” ecoou por toda a Alemanha, a Europa e o mundo. Milhões de pessoas deixariam de morrer.
Tempo e jogadores
Leva 1-2h pelo menos para completar o jogo se você já souber como funciona. Jogamos desde 1 a 4 jogadores, várias vezes. Solo é ótimo! Em duplas é ótimo! Em mais pessoas é ótimo! Eu achei tão legal o jogo que mandei uma mensagem no Boardgamegeek para o Philip DuBarry, designer do jogo. Fizemos até regras opcionais, para matar outros dirigentes como Himmler, Goering, etc, e depois dar um golpe de estado para remover o partido nazista do poder. Isso faz com que o jogo tenha aquela continuação de “limpar a mesa depois de fazer o serviço”.
Acho que assim que postar este artigo, vou pegar o jogo e jogar sozinho mais uma vez, porque fiquei completamente entusiasmado só de lembrar!
por Patanga Cordeiro
- voluntário de cursos de meditação de SP e outras cidades do Brasil