Gostaria de compartilhar algumas convicções que tive ao ter contato com jogos de mesa modernos. Não reparem a qualidade do português, é com boa intenção.
Engano 1 - Eu já conheço jogos de tabuleiro
Tendo jogado jogos de tabuleiros por décadas, desde a década de 90, eu não precisava conhecer mais nada sobre assunto. Afinal eu joguei damas, xadrez, War 1 e 2, jogos de quizz, jogos de rolar e andar como Jogo da vida, Banco imobiliário, três versões de Imagem & Ação e muito mais. Nada mais me surpreenderia.
Então eu descobri um site estrangeiro chamado boardgamegeek, e aí coisas começaram a acontecer, a primeira foi minha cabeça explodindo pelos ares. Isso desencadeou uma série de descobertas e tive que revisar o que eu sabia. Desde os jogos dos anos 90 muita coisa mudou.
Engano 2 - Os jogos mais vendidos obviamente são os "melhores"
Claro que é muito relativo o conceito do que é melhor ou pior, mas navegando no boardgamegeek eu descobri um ranking das notas que os jogadores davam aos jogos.
Fui logo ver as posições dos jogos que eu conhecia, mas fiquei horrorizado:
- 4.641 º - Imagem & Ação (Pictionary - 1985)
- 8.674 º - Detetive (Cluedo - 1949)
- 19.439 º - War (Risk - 1959)
- 20.160 º - Uno (1971)
- 20.247 º - Cara a cara (Guess who - 1979)
- 20.255 º - Batalha Naval (Battleship - 1931)
- 20.268 º - Banco Imobiliário ( Monopoly - 1933)
- 20.269 º - Jogo da vida (Game of Life - 1960)
Sim, foi isso mesmo que vi, em choque, aquele joguinho de desenhar, o mais descolado que eu conhecia, possuía quatro “freaking” mil jogos melhores avaliados do que ele. Fora que havia um abismo de mais de 8 a 20 mil jogos antes dos outros que eu conhecia. Eu nem mesmo sabia que no mundo existia tanto jogo diferente!
Primeiramente pensei que esse povo só poderia estar maluco, devem ser algumas poucas pessoas sem noção avaliando. Afinal eram os mais vendidos! Para minha surpresa, o Pictionary tinha mais de 6 mil avaliações, e o Monopoly 29 mil. Chega aquele momento onde a gente começa a suspeitar que a gente é o sem noção dessa história.
Descobri também que empresas nacionais faziam clones de jogos consolidados, alguns tinham alguma coisinha extra (como os objetivos do War), mas que nem sempre isso envolvia pagar licenças. Também aprendi que regras de jogos não se pode registrar a propriedade intelectual! Isso abre brecha para os “heróis” da minha infância possivelmente serem apenas praticantes do “jeitinho brasileiro”.
O Pictionary possui uma categoria chamada: “Person/Place/Animal” e um jogo nacional possui uma categoria “Pessoa, lugar ou animal”, seria coincidência?
Achei sensato abrir a mente para a oportunidade de conhecer esses trecos novos, dei uma pausa em ficar pistola com essas notas que pessoas deram nos “jogos da minha vida”.
(Ranking: Browse Board Games | BoardGameGeek )
Engano 3 - Jogos de cartas e tabuleiro são coisa de criança
Como era um processo natural que os adultos jogassem menos jogos de tabuleiro, se pode presumir que são coisa de criança. Eu pensava ser um pouco crianção por gostar de jogos de tabuleiro, pouco me lixava para isso também. O problema é que para isso eu teria que dizer que xadrez é coisa de criança, e fica complicado manter isso. Alguma coisa faz adultos jogarem menos títulos clássicos. A seção da loja de departamentos onde o jogo é encontrado também não ajuda muito.
Meu entendimento sobre isso hoje é que na verdade boa parte dos jogos clássicos não consegue nos “prender” por muitos anos. Na minha humilde opinião isso acontece pois foram criados muito antes do prêmio alemão Spiel des Jahres, o qual transformou o ato de criar jogos de tabuleiro em algo disputado, forçando os designers(como são chamados) a se desenvolverem e estudarem cada detalhe da criação, ao mesmo tempo que abandonam características e vícios que não agradavam tanto nos jogos. Isso ergueu a “barra de altura” que mede o que é considerado um “bom jogo”, e chamamos os jogos atuais de “jogos de mesa modernos” por razão dessa mudança de conceitos. Um exemplo visível de mudança é que os designers agora possuem seus nomes em bom tamanho nas capas dos jogos, algo que já acontecia nos livros mas não em jogos.
Engano 4 - Jogos de cartas e tabuleiro são coisa de nerd/geek
Eu não tinha receio de parecer geek, mas pensava errado sobre jogos de tabuleiro. Hoje sei que há jogos que envolvem, por exemplo, blefes, boas habilidades de comunicação e muitos necessitam que a pessoa seja extrovertida. Truco é jogo e não tem uma pegada tão dedicada, tão geek. Uma categoria interessante é a de jogos party, que envolvem regras simples e bastante gente envolvida.
De fato nerds jogam tabuleiro por aí, mas há absurda variedade de jogos e alguns títulos podem até espantar os nerds da mesa!
Eu percebo que de fato que os nerds descobriram esse mundinho de jogos modernos primeiro do que os não-nerds, mas jogos nunca foram propriedade exclusiva deles.
Se nerd come pão então devo deixar de comer pão? Me parece muita insegurança.
Engano 5 - Mas eu não quero saber desses jogos aí, só quero joguinhos simples "mais família"
Pois é, e qual não foi a surpresa ao descobrir que há um ranking no boardgamegeek exclusivo para “jogos família”? E que os “jogos família” que eu conhecia praticamente não mudaram em nada por 35 ou até mesmo 85 anos ou mais!!! Pois é, Banco imobiliário(Monopoly) é de 1935. Sim, o custo da não evolução pesou nesses títulos, apenas colocar uma máquina de cartões de débito digital não muda o núcleo do jogo. Hoje em dia há títulos muito tranquilos de jogar para toda a família, como Kingdomino, Código secreto, Só uma, Team3, Love Letter, Azul e muitos outros.
Eu poderia ficar apenas criando desculpas para os jogos clássicos do meu passado serem sempre perfeitos, ou partir e conhecer algum jogo completamente novo lendo uma folha única de regras.
Engano 6 - Os jogos melhores “rankeados” serão sempre mais complexos e chatos de aprender
Como forma de preservar minha nostalgia eu poderia presumir que os jogos clássicos mais vendidos eram fáceis de aprender, e esses com notas altas no boardgamegeek seriam muito mais complicados de aprender. Seria uma boa saída mental e eu poderia manter a admiração que tinha pelos meus antigos clássicos.
Pena que seria apenas um engano. Jogos que novos conheci, como Ticket to Ride, Dixit, Splendor, Spyfall, No Thanks e outros são muito simples, inclusive alguns (como o Bandido) eram mais simples do que tudo o que eu conhecia, e entregavam experiências realmente prazerosas para os envolvidos.
Engano 7 - Esses jogos nem encontramos por aqui, só importados
Mas qual não foi minha surpresa ao descobrir que há, em várias regiões do país, lojas exclusivas de jogos de tabuleiro. Atenção, eu não disse especializadas, eu disse que vivem exclusivamente da venda de jogos de tabuleiro. Parece doideira, não? Todos os títulos que eu citei aqui já foram publicados no país em nossa língua! Anualmente são vários lançamentos que não chegam aos ouvidos da população. Infelizmente ainda precisamos correr atrás disso nós mesmos e é praticamente impossível encontrar os jogos “chamados modernos” em lojas convencionais. Em outros países isso é melhor divulgado, em alguns países os jogos modernos chegaram nos supermercados e lojas de departamento. Mas até o momento é preciso ir até as lojas exclusivas de jogos de tabuleiro no Brasil.
Jogos com regras simples para a família
Lista de jogos bons com regras que não vão rachar sua cabeça
Lista de jogos party, com bastante gente e regras normalmente tranquilas
Concluindo
“Então o que eu faço com o carinho que eu tenho pelos jogos que comprava em lojas de brinquedos, de caixa comprida e sem nome de designer na capa? Preciso odiá-los?”
Creio que não, eles tiveram seu contexto e até hoje são base para o que veio e serão base para o que virá.
Por exemplo: quando se conhece novas culinárias não é necessário odiar as receitas anteriores, mas seu gosto e preferências podem sofrer mudanças. Me parece um processo inevitável com jogos de cartas e tabuleiro. Cansei de ver gente que não gostava de jogos descobrir jogos que adorou jogar.
Percebi também que devo tomar cuidado com excesso de nostalgia e de presunção para não me fechar para o mundo, sob o risco de ser uma estátua viva, parada e amarga com as coisas novas que podem fazer muito bem a mim, minha família e amigos.